terça-feira, 22 de julho de 2014

O Vermelho

Atribuído historicamente ao amor e também ao pecado, a cor vermelha possui fortes laços com a história do mundo e, em especial, com a história dos corantes.


Especialmente relacionado com a nobreza a partir do século XVII, o vermelho era usado pelo rei francês Luís XIV em suas roupas e calçados, particularmente para ressaltar suas pernas, e também para colorir palácios, em tapeçaria.

A exclusividade da cor, no entanto, é justificada por fatores mais químicos do que aristocráticos. Um dos principais corantes usados para sua obtenção, a cochonilha, que possui como principal molécula o ácido carmínico, derivado da antraquinona, era obtido a partir de corpos esmagados do besouro cochonilha-do-camin, demandando muitos corpos do animal e encarecendo sua obtenção. Ainda assim, países europeus se empenharam na produção de cochinilha  por tanto valorizarem a cor, que tingia também os casacos vermelhos dos soldados britânicos.


Mas a importância do vermelho remete à períodos anteriores a Luís XIV. Na verdade, a cor já era usada na pré história, onde caçadores do período neolítico a consideravam a cor mais importante e a relacionavam a vida, colocando-a inclusive nos túmulos dos mortos. Além disso, por volta do século VIII, na cultura nórdica, o vermelho era designado por teafor (magia), que mais tarde tornou-se ocre vermelho, em relação com o óxido de ferro já usado para colorir e evocar a fertilidade, a qual a cor também era atribuída.

A importância do óxido na obtenção do vermelho se dá sobretudo pelo fato da cor poder ser obtida da planta garança, que contém a matéria corante alizarina (outra derivada daantraquinona), que é mordente, ou seja, depende do uso de um íon de metal para fixar cor ao tecido. Nesse sentido, diferentes íons produziriam soluções mordentes diferentes, com diferentes cores. O vermelho vivo obtido com a junção de mordentes de alumínio e cálcio podia ser obtido a partir de argila com raiz de garança seca, esmagada e pulverizada, processo que teria sido usado, inclusive, por Alexandre Magno em 320 a.C. para atrair o inimigo e derrotá-lo.

A obtenção de corantes a partir da natureza, aliás, sempre acompanhou a história da humanidade e seu progresso. Na América, os índios obtiam a cor a partir do urucum e a usavam para se enfeitarem ou camuflarem-se em batalha, mesmo sem possuírem quaisquer conhecimentos sobre as moléculas envolvidas nessa obtenção. A alizarina e o ácido carmínico, particularmente, duas matérias corantes derivadas da antraquinona das quais se obtém o vermelho, devem essa cor ao maior número de conjugações que possuem em relação à molécula principal, a incolor antraquinona.
Ou seja, a alizarina, por exemplo, por possuir dois grupos OH do lado direito de seu anel, além de ligações duplas e simples alternadas no resto da molécula, possui conjugação suficiente para absorver luz visível e, assim, tornar-se colorida. O mesmo ocorre com oácido carmínico, o que justifica também sua cor.

Outro fato relevante quanto a obtenção do vermelho se dá com a chegada dos portugueses no Brasil. O Pau-brasil, árvore comum no litoral brasileiro, popularizou-se na Europa e atendeu, mais uma vez, a uma demanda crescente dessa cor. O seu sucesso, no entanto, estava mais atrelado à variedade de tonalidades obtidas de seus pigmentos do que à qualidade de sua pigmentação. O vermelho vivo, por exemplo, era obtido a partir de um tratamento ácido da planta com vinagre ou fermento, e entrou em declínio com a síntese do primeiro corante artificial em 1856, a malveína, por William H. Perkin. A partir de Perkin e o posterior desenvolvimento da atividade industrial na obtenção de corantes artificiais, o pigmento brasilína do pau-brasil acabou por ser sintetizado por Robert Robinson. Da oxidação da brasilína de Robinson, obteve-se posteriormente o pigmento brasileína, de coloração vermelha.

Embora a explicação química fosse desconhecida pelos indígenas e até mesmo pelos europeus durante a colonização, não serviu de empecilho ao uso dos corantes. Os astecas, antes mesmo da chegada dos espanhóis, já obtiam o vermelho a partir da cochonilla, e osegípcios antigos também tingiam suas roupas
(e as mulheres, os lábios), com um suco vermelho espremido do corpo do inseto quermes, cujo pigmento vermelho é obtido a partir do ácido quermésico, semelhante ao ácido carmínico.
Para os egípcios, aliás, a cor vermelha tinha outro simbolismo muito forte: representava o deus Seth (deus da violência e desordem) e a maldade, completamente diferente da lenda grega, onde o vermelho é dedicado a deusa Afrodite (deusa do amor) e é associado ao ciclo de crescimento e declínio, em virtude da lenda das rosas vermelhas, provenientes do sangue de Adônis (que teria sido morto por um javali durante uma caçada).

O sentido contraditório do vermelho, na verdade, acompanhou e acompanha a história da humanidade há muito mais tempo do que os gregos ou egípcios jamais poderiam prever. Se, durante o século XVII, o vermelho era relacionado com a nobreza francesa de Luis XIV, essa mesma cor seria usada, um século depois, como símbolo de um movimento revolucionário contrário à própria monarquia, a Revolução Francesa. A partir de então, a cor passou a ser frequentemente associada a revoluções políticas, e esteve presente na revolucionária Comuna de Paris em 1871 e na Revolução Russa, além de ter sido adotada como cor favorita por pensadores como Karl Marx e Émile Zola. Além disso, representou a antiga União Soviética e o Exército Vermelho, e fez parte inclusive do temido "botão vermelho" durante a guerra fria, que prometia a possibilidade de explosões nucleares. De exclusiva da nobreza à revolucionária, a cor acompanhou a superação das técnicas em sua obtenção e, ainda hoje, possui forte caráter político ao ser associada à partidos, principalmente de caráter esquerdista ou comunista, ao simbolizar a ação e a transformação, sentido recuperado também pelos super-heróis ocidentais, como Homem-Aranha, Homem de Ferro, Superman e a Feiticeira Escarlate.

Por outro lado, a cor vermelha foi também associada ao perigo e ao pecado, desde que Eva mordeu a maçã vermelha proibida. O vermelho foi, então, historicamente associado aos semáforos de atenção e as placas de perigo, ao fogo (como nos caminhões de bombeiros, nos hidrantes, nos extintores de incêndio), às incorreções (como nas notas vermelhas e na expressão ficar no vermelho em transações comerciais) e até mesmo às "roupas" do diabo.

O que, mais uma vez, se diverge do sentido assumido em outros lugares do globo. No Oriente, por exemplo, a cor vermelha é associada a felicidade, alegria e celebração e, por isso, é tradicionalmente usada pelas noivas chinesas e é comum durante o Ano Novo Chinês, onde seu uso simboliza sorte, boa fortuna e prosperidade. O hábito de uso do vermelho em casamentos, aliás, já era comum desde a época romana, onde o vermelho era usado em guirlandas e roupas de casamento até o século XVIII, provavelmente em função de seu simbolismo atrelado ao amor e a paixão.

O amor e a paixão, aliás, foram ingredientes fundamentais para popularizar a cor vermelha namoda. Desse modo, o vermelho foi adotado como marca registrada de estilistas como Valentino (com o tal "vermelho valentino") e nas solas dos conhecidos sapatos Louboutin, que, inclusive, já tentou patentear a cor. A comercialização da cor, na verdade, é fortemente atrelada à marca a qual remete, o que explica, por exemplo, o sucesso do "vermelho Ferrari". A gigante do automobilismo mundial utiliza a cor desde os anos 20, por ser exigido pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo) que marcas italianas deviam ter cor vermelha, enquanto outras cores foram atribuídas a outros países. O vermelho também serviu de propaganda de outras marcas, como a Coca-Cola e, até mesmo, de divulgação da maior festa católica, o natal.

Na crença católica, o vermelho simboliza o sangue de Cristo derramado na sua crucificação. Além disso, durante a Idade Média, a peça "O Paraíso", realizada para ensinar a população sobre importantes eventos religiosos encenava Adão e Eva e, particularmente, a fruta proibida mordida por Eva. Desse modo, o cenário representava as árvores do paraíso (verdes) e as maçãs (vermelhas).
O uso do vermelho também é explicado pelo fato do Natal ser uma celebração de inverno no hemisfério norte, e como nessa época poucas plantas florescem e sobrevivem, a cor seria atribuída ao azevinho, de frutos vermelhos e as poinséttias, também vermelhas. O azevinho, inclusive, era tido como forma de afastar os maus espíritos e era colocado na porta das casas.

Já em outras religiões, o vermelho assume, mais uma vez, sentidos diversos. Para a Umbanda, por exemplo, é a cor de um dos axés, e no Candomblé, é Exú, fértil e revolucionário. Enquanto isso, para o Judaísmo, simboliza o ateísmo e no Budismo, a purificação do karma dos desejos.

De qualquer maneira, o vermelho cumpre um papel fundamental na história cultural de diversos países e religiões. De exclusivo da nobreza à símbolo dos oprimidos, a cor sofreu variações de tonalidade e de obtenção sem, contudo, perder sua majestade como cor primária imponente, além de muito contribuir indiretamente no desenvolvimento da química, a medida que a busca por sua obtenção de forma mais simples e econômica motivou muitos químicos e dinamizou essa indústria. Entre as cores preferidas das mulheres (e dos homens!) a cor se popularizou de tal maneira que colore prédios e móveis, roupas e alimentos com cada vez mais frequência. E se, entre outras cores, surgir a dúvida, siga o conselho de Bill Blass, estilista americano popular no século XX.. Vá de vermelho!

Fontes: Os botões de Napoleão - Burreson, Jay.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-40422004000300010&script=sci_arttext
http://www.ehow.com.br/usamos-vermelho-verde-cores-natal-sobre_175337/ http://modasuacara.blogspot.com.br/2010/04/vermelho-cor-do-sangue-da-furia-fogo.html
http://toconectada.com/2014/04/26/vermelho-para-o-inverno/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vermelho
http://jptop.blogspot.com.br/2013/05/curiosidades-sobre-cor-vermelha.html

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